sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Os prazeres e desprazeres do trabalho - trecho do livro de Alain de Botton

"A verdadeira extensão dos obstáculos que impedem a liberação de nosso potencial foi reconhecida de maneira mais precisa pelo sociólogo alemão Max Weber quando em seu ensaio "A ciência como vocação" (1918), descreveu Goethe como um exemplo do tipo de personalidade criativa e saudável "que só surge em mil anos".
Para o resto da história, e para a maioria das pessoas, nossa brilhante promessa jamais conseguirá ser realizada; jamais nos dará quantias generosas, assim como jamais produzirá objetos ou organizações exemplares. Continuará sendo apenas uma esperança que transcendeu a infância, ou um sonho acolhido enquanto dirigimos por uma via expressa, sentindo nossos planos pairarem sobre um extenso horizonte.
Inteligência, sorte e resistência extraordinária são elementos necessários para que o mapa de nossa realidade seja redesenhado, enquanto dos dois lados do  cume da grandeza espalham-se os intermináveis contrafortes habitados por atormentados celibatários de conquistas.

A maioria de nós posta-se segura na fronteira do brilhantismo, assombrada pelo conhecimento de nossa proximidade, mas ainda evidentemente do lado errado da linha, com nossas relações com a realidade debilitadas por uma série de pequenas e no entanto críticas falhas psicológicas ( um pouco de otimismo demais, uma rebeldia não desenvolvida, uma impaciência fatal ou um sentimentalismo). Somos como um requintado avião de alta velocidade que, sem uma peça minúscula, fica abandonado ao lado da pista, mais lento do que um trator ou uma bicicleta.

Saí da empresa de Symons recém-consciente da crueldade irracional discretamente atrelada a magnânima certeza burguesa de que todos podem descobrir a felicidade através do trabalho e do amor. Não que essas duas entidades sejam incapazes invariavelmente requivocadamente apresentada como regra, nossas desventuras pessoais  em vez de parecerem aspectos inevitáveis da vida, nos sobrecarregarão como maldições particulares. Ao negar o local naturalmente reservado aos anseios e à incompletude no destino humano, a ideologia burguesa impede que os nossos casamentos turbulentos e as nossas ambições inexploradas possam ser coletivamente consolados, condenando-nos à solitária sensação de vergonha e de perseguição por termos teimosamente falhado em nos tornar o que somos."

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O discurso pós jogos olímpicos


Quando se encerrarem os jogos olímpicos e a participação brasileira for- mais uma vez!- criticada pelo fraco desempenho evidenciado por um quadro de medalhas que não se detêm em subjetividades contextuais, é fundamental estar atento ao discurso que sucedera o insucesso. Nossas autoridades políticas, esportivas e midiáticas convocarão especialistas e ex-atletas para mais uma análise “profunda” do óbvio ululante. Qualificação técnica de treinadores e atletas brasileiros; análise psicológica de atletas que sucumbem à pressão da sombra projetada pelas imensas expectativas de medalhas improváveis; trabalho de base; apoio ao esporte inclusivo; massificação, etc. Os temas são bem conhecidos e soam como Déjà vu. Embora ainda necessitemos deste discurso como forma de expiação pelos pecados do descaso esportivo é bom lembrar que Eduardo Galeano já escreveu que teoria e prática são duas velhas senhoras que se cumprimentam... Porém nunca se encontram! No caso do esporte brasileiro nada pode ser mais ilustrativo. No que se refere à qualificação dos atletas e técnicos brasileiros parece que nossos dirigentes esportivos já encontraram a solução; a importação de treinadores estrangeiros e a naturalização de atletas de outros países. Ironias a parte o distanciamento emocional e o conhecimento especializado destes profissionais estrangeiros talvez realmente possa melhorar o desempenho em algumas modalidades que nosso país não possui tradição, no entanto esta medida coloca em dúvida a capacidade de desenvolvimento técnico e psicológico de atletas e treinadores nativos, o que de certa forma nos faz reviver o “complexo de vira latas” cunhado por Nelson Rodrigues. Tal medida evidencia também uma preocupação somente com o topo da pirâmide enquanto nossa base permanece com uma estrutura frágil e inconsistente. Se nossos profissionais do esporte são incapazes para o alto nível que lhes proporcionem bons alicerces para então julgar o seu valor. A palavra massificação também deve reverberar nas mesas redondas e ainda assim nossos esportes continuarão a serem praticados em clubes, que são centros de excelência e não espaços públicos e escolares de divulgação e fomento. A massificação encontra nas praças, centros comunitários e quadras colegiais um terreno fértil para qualquer modalidade, porém ainda é muito cedo para a prática especializada desenvolvida nos clubes, estão ai os playgrounds americanos e os campos de várzea do futebol brasileiro como exemplo de prática informal não especializada que logra entranhar-se na cultura de um povo. Quem quer colher bons frutos deve plantar muitas sementes nos mais variados espaços, e - o mais importante!-  não selecioná-las antes do tempo. Repetidas vezes com base nos maus resultados obtidos- que a realidade insiste em nos jogar na cara- almejamos transformações significativas, porém se apenas analisarmos as causas sem uma mudança efetiva na nossa prática... Os resultados não se alteram! “Saber e não fazer ainda não é saber”, sentencia de maneira simples e direta um provérbio Zen.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Entre dos Aguas


Paco de Lucia, Montreaux 1978

Desde sua afinação em sopros de vida a sequencia nos oferece suspiros de dor espalhando respingos d água que se repetem na promessa de um leito caudaloso e imprevisível, o rio segue seu curso encontrando acordes nervosos como rochas que se interpõem para enfatizar sua  fluidez e leveza. A natureza fluida choca-se com outro volume de água e esta em sua superfície nos parece distinta, no entanto, vem ao nosso encontro como complemento de transparência e beleza.  Enfim diluída em seu elemento a melodia não se aprisiona, segue caótica, ondulando entre remansos e desníveis; então repentinamente se detém para escutar seu próprio ruído... Evoca a natureza sensível dos que acompanham suas imprevisíveis curvas de tristeza e alegria compartilhando transcendência e finalmente despencando  numa brutal cascata de regozijo estético.  

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Degraus desaparecidos


Em teoria estaríamos preparados para exercer nossa profissão após anos de estudos que privilegiaram a memória e desprezaram o entendimento,  pois na prática a informação transmitida não é conhecimento efetivo, no entanto nosso sistema educacional perpetua um único método de ensino, ou seja, a memorização de conteúdos compartimentados, estanques, isolados, que parecem existir em um universo abstrato e distante anos luz daquilo que nos cerca e experimentamos como realidade. Pautar o caminho do conhecimento desde o primário até a universidade na informação memorizada e descontextualizada é como subirmos uma escada aonde os degraus transpostos vão desaparecendo à medida que colocamos os pés no próximo. Quando chegamos ao topo da escada percebemos o abismo de esquecimento e desconhecimento, mas, intimamente envergonhados, silenciamos como se os degraus desaparecidos ainda estivessem lá. Em teoria sabemos muito, na prática esquecemos tudo! A memória acumulada das frias informações que nos são impostas consequentemente nos tornam medrosos- tímidos e apologéticos, diria Emerson -, papagaios que repetem o som emitido por uma autoridade, sem nenhuma capacidade para desenvolver a inteligência intuitiva da experiência direta. Aquele que tem a sensibilidade de enxergar os conceitos como mera confirmação do que foi vivido pelo observador detém o gênio, enquanto o que busca ajustar a vida aos conceitos adquiridos é um impostor inconsciente - Schopenhauer firmou abaixo desta minha impressão sobre “o que é” e dele obtive o reforço do que observei anteriormente. Pois me parece fundamental que possamos “perceber” o conhecimento e por fim praticar o conhecimento com a riqueza de suas conexões. São as conexões dos diversos campos de conhecimento que enriquecem e dão sentido ao intelecto. Tornando ágil a percepção da correlação entre saberes aparentemente distintos crescemos como pensadores e, por fim, podemos propor o inédito e o criativo.  Nosso sistema educacional se sustenta na excessiva teorização, no isolamento estéril dos saberes, na memorização fria da informação (Informação não é conhecimento!), na superestimada autoridade científica e a consequente desautorização da percepção individual transformada em conhecimento... Como se tal experiência do indivíduo  não fosse excelente ponto de partida para a aquisição do conhecimento efetivo. Sendo assim, nesta estrutura educativa atual, somos forçados a acumular informação descontextualizada e impedidos de construir conexões; somos tolhidos em nossa liberdade intelectual e desencorajados em nossa curiosidade o que torna a aprendizagem uma experiência traumática e desinteressante.  

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um jogo, uma promessa


No que se refere à decisão da LNB de realizar a finalíssima do NBB em um jogo único, me parece que temos que esperar algumas temporadas para avaliar se foi uma decisão acertada. O principal motivo desta alteração na forma da disputa– que anteriormente se jogava em sistema de Play-off – dizem os “entendidos” é a visibilidade que a transmissão em Tv aberta poderia proporcionar aos patrocinadores e suas marcas. Em um pensamento linear seria assim; quanto mais televisão aberta e exposição da marca dos patrocinadores mais patrocínio para as equipes nacionais o que significa mais dinheiro sendo injetado no, antes agonizante, basquete brasileiro. Se realmente os investimentos viessem seria fundamental para a viabilidade de vários projetos esportivos, no entanto esta desejável injeção de capital não é garantida; a ideia que uma transmissão em Tv aberta garante futuros incentivos é subjetiva e questionável, além do mais qualquer profissional de Marketing está ciente que o apoio financeiro a uma equipe de basquete tem prazo de validade e nem é preciso citar exemplos, pois todos sabem da natureza efêmera dos patrocínios esportivos. Quando a liga nacional de basquete se propõe a alterar a sua forma de disputa para atender uma possível visibilidade de marcas está abrindo um precedente perigoso porque se coloca na posição mais frágil de uma transação comercial, evidenciando que seu produto – no caso a modalidade basquete e a liga propriamente dita- ainda não estão bem acabados, ou não são fortes o suficiente para estar em condições de igualdade na busca da negociação que atenda igualmente os interesses das partes envolvidas. Mexer na essência da disputa, que é o equilíbrio e a certeza de que a melhor equipe será campeã, é, na minha visão, vender a alma ao diabo sem nenhuma garantia que ele vai cumprir a sua parte no acordo.  Quando David Stern conseguiu recuperar a NBA – Isto mesmo, a Liga americana já foi mal organizada e deficitária!- tratou de privilegiar o jogo equilibrado dando apoio às franquias para que seu produto fosse sólido e atrativo com a finalidade de captar parcerias de peso em pé de igualdade. A comparação talvez não seja valida porque envolve muitos fatores- econômicos, culturais, etc. – mas serve de exemplo para que possamos refletir um pouco... Vender um produto atendendo todas as exigências do comprador – alterando as próprias características essenciais do mesmo – é descaracterizar e desvalorizar tal mercadoria. Os jogadores e treinadores ,ao que parece, foram convencidos de que este prejuízo técnico representa retorno econômico garantido e divulgação da modalidade. Entendo que os jogadores e treinadores deveriam estar conscientes que são os principais atores neste espetáculo e suas opiniões não devem ser sacrificadas por promessas que podem não ser cumpridas, pois estão colocando em risco a sua representatividade. Veremos se este jogo único irá trazer o retorno esperado ou se os clubes continuarão andando em círculos e cantando aquela marchinha “Ei você ai, me dá um dinheiro ai, me dá um dinheiro ai...”.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Do livro "O código do talento" de Daniel Coyle



Ainda persiste em nossa mentalidade a concepção errônea de que o talento esportivo é um dom divino. É como se um raio de luz entrasse pela janela da maternidade e escolhe-se apenas uma entre tantas e esta criança seria abençoada com as habilidades necessárias para ser um gênio do esporte enquanto as demais seriam jogadas ao limbo da mediocridade. Em um vídeo chamado “Talvez seja minha culpa“ http://youtu.be/AcWqQbYqpGM, Michael Jordan nos esclarece algumas passagens de sua vida para desmistificarmos  esse toque do dedo de Deus. Na verdade a ciência - Essa estraga prazeres! - está empenhada em descobrir os segredos do talento em todas as áreas da atividade humana, e o esporte, como não poderia deixar de ser, é um dos principais âmbitos de investigação. No livro “O código do talento” somos apresentados a Mielina, um isolador neuronal - uma espécie de capa de borracha que reveste as fibras nervosas responsáveis pelos impulsos elétricos que determinam a aquisição das habilidades...Qualquer habilidade! Dan Coyle, o autor do livro, resume assim sua analogia elétrica: “A Mielina rodeia as fibras nervosas ( Responsáveis pela aquisição da habilidade) do mesmo modo que um isolamento de borracha envolve um fio de cobre: faz com que o sinal seja mais veloz e forte porque impede que escapem os impulsos elétricos” Quando acendemos nossos circuitos da maneira correta, nossa mielina responde cobrindo o circuito neuronal e acrescentando, em cada nova capa, um pouco mais de habilidade e velocidade. Quanto mais grossa é a capa da mielina, maior será a sua capacidade de isolamento, de forma que nossos movimentos e pensamentos se tornarão mais velozes e precisos.” Para enfim acelerar o processo e criarmos “capas mais grossas” de mielina necessitamos de três aspectos fundamentais que formarão o contexto adequado - o terreno fértil da onde teremos mais possibilidades de colher o potencial esportivo; São eles:
A Prática intensa:  Obviamente se refere ao  treinamento exaustivo , mas vai muito além disto; Primeiro consideramos o movimento como um todo, observamos uma paisagem desde uma colina, depois nos aproximamos e captamos todos os elementos que compõem a paisagem( O Movimento decomposto em detalhes) e finalmente trabalhamos com a velocidade – acelerando e diminuindo. A prática intensa confere ao erro um papel importantíssimo, é o velho conhecido; Tentar lentamente – falhar –tentar novamente - falhar – tentar novamente com atenção e afinco corrigindo pequenos detalhes. Até finalmente entrar na repetição, repetição e repetição da forma correta do movimento.
A ignição :  Neste aspecto é importante ressaltar que a pratica intensa acima descrita não é desenvolvida somente nas sessões de treinamento de basquete, por exemplo. Raramente nos empenhamos naquilo que não nos dá prazer. Para desenvolvermos uma habilidade ótima  necessitamos estar intimamente relacionados com ela, ou seja, o sacrifício da pratica intensa deve ser eclipsado pela paixão, dando a sensação de uma epifania enquanto tratamos de aperfeiçoar a técnica. A ignição é o motor humano da motivação, é o fogo primitivo inconsciente que se acende quando saímos correndo para gastar nossa energia em uma quadra de basquete. É fundamental, no entanto, que exista um ambiente instigante para que a fagulha se transforme em chama e se perpetue em busca de um objetivo maior, neste ponto a inspiração é sustentada também pelo espelho de nossos ídolos esportivos.
O Mestre ou treinador : Levando em consideração que a pratica intensa precisa da  ignição e que esta chama de motivação necessita estar acesa por anos a fio afim de lograr resultados de alto nível, o livro de Daniel Coyle nos alerta para a importância dos mestres instrutores, não como experts técnicos em suas áreas mas como “alquimistas” que mesclando os dois fundamentais aspectos anteriores conseguem extrair o máximo desempenho dos seu pupilos. Tais professores são camaleões do ensino/ aprendizagem que adaptam a mensagem conforme a personalidade do receptor, utilizando abordagens distintas estes grandes mestres ensinam aos seus alunos a serem pensadores independentes que tomando decisões a todo o momento podem superar os problemas que se apresentam. Eles se assemelham a diretores de peças teatrais que não interrompem constantemente o fluxo da atuação ou da aprendizagem e vão se retirando paulatinamente para trás das cortinas, abrindo mão do protagonismo em favor do talento vindouro.
É importante salientar que estes três aspectos fundamentais na busca do talento não são compartimentos estanques e que estão dispostos assim somente com a finalidade de uma melhor compreensão por parte de nossa limitada mentalidade cartesiana. Estes elementos são orgânicos e como tal atuam e interagem entre si.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A certeza da incostância





 Pois tal é a matéria de que o homem é feito: em princípio ou na prática, na trilha certa ou na errada, a mais rara de todas as qualidades humanas é a consistência.
Bentham (1789)


Em um desgastado- mas irresistível!- paralelo do esporte com a vida podemos afirmar que nenhuma história individual ou coletiva prescinde de seus altos e baixos, de seus momentos de estagnação e fluxo. Sendo assim nossa única certeza além da morte é de que nosso caminho terá oscilações. Analogamente a única convicção que podemos levar para a quadra de basquete é a certeza da inconstância durante o jogo, em termos de desempenho uma partida não é uma linha reta e sim uma linha ondulada. Em um confronto aonde as equipes se equivalem técnica e fisicamente qualquer prognóstico de resultado final é mera especulação; Uma partida de basquete de alto nível é composta por um mosaico de elementos técnicos, estratégicos, físicos e psicológicos tão ricos que cada partida conta a sua própria história... Talvez esta incerteza em relação ao desfecho e a ansiedade gerada em consequência seja o prazer indescritível que este esporte proporciona. No transcorrer de um enfrentamento a manutenção do foco de atenção nos diversos elementos do mosaico acima mencionado não é tarefa simples, portanto é inevitável que em determinados momentos a atenção se perca e a tomada de decisões- coletivas e individuais- resulte em precipitações que acabam ocasionando erros e estabelecendo o mau momento de uma equipe. Por outro lado quando um time recupera o foco de atenção, “volta para o jogo” e direciona corretamente as suas ações entrando em estado de fluidez, mesmo as decisões precipitadas podem resultar positivas. A administração cautelosa da instabilidade bem como o proveito eficaz de momentos de fluidez é que irá definir o destino do jogo. As possibilidades de vitória irão se apresentar para a equipe que souber regular pacientemente as suas ações quando estas estiverem em baixa e tirar o máximo proveito da fluidez e da velocidade quando os ventos lhe favorecerem. Estar consciente dos picos e depressões e não ter expectativas de uma estabilidade utópica durante o jogo é meio caminho andado... Ainda que este seja tortuoso e incerto.