terça-feira, 17 de abril de 2012

Especialização precoce - Valores sociais

“Todos os homens são sensíveis enquanto espectadores. Mas todos os homens se tornam insensíveis quando actuam.”

Èmile Auguste Chartier

Quando assumimos o papel de espectadores e analisamos o fenômeno da especialização precoce no esporte temos a tendência de responsabilizar somente técnicos e professores pela falta de sensibilidade em perceber que seu trabalho é um projeto de longo prazo, que abrange a formação integral do pequeno atleta e não apenas a produção em série de campeões mirins. A crítica procede, porém é superficial e até certo ponto injusta. Um pouco abaixo da superfície do obvio problema - queimar etapas de desenvolvimento e precipitar a imersão da infância em um universo competitivo prematuro - podemos encontrar alguns ingredientes de uma receita que tende a repetir-se enquanto alguns fatores não forem analisados com cuidado e sensibilidade. O primeiro ingrediente desta receita é reconhecer, sem julgar, que vivemos e interagimos em uma sociedade competitiva, portanto o fenômeno vai muito além das linhas de quadras esportivas, o esporte apenas reproduz os valores e as crenças de um amplo contexto social em que está inserido. Inglês, informática, música, estudos, esportes... A agenda infantil está lotada e o ideal do pequeno executivo está, cada vez mais, na ordem do dia. Idolatramos projetos e planejamentos, mas paradoxalmente não temos paciência para esperar, se pudermos conquistar tudo hoje porque aguardar o amanhã? Neste contexto é inevitável que o processo de ensino aprendizagem de qualquer esporte ignore o tempo de espera e queime etapas no fogo alto da competição. Se acrescentarmos ainda um técnico iniciante, com anseios de visibilidade e reconhecimento profissional teremos outro ingrediente fundamental. Este treinador com desejos de notoriedade é oriundo de uma formação acadêmica excessivamente fragmentada e padronizada, portanto ele ensina o que lhe foi ensinado, ou seja, exclusivamente a técnica. Tais ingredientes tem uma dinâmica subjacente, portanto dialogam, se inter-relacionam mesclados na panela de pressão social. Se pegarmos então o valor da pressa e da urgência do sucesso e misturarmos com um técnico iniciante - naturalmente necessitado de ascensão profissional - colocando uma boa pitada de métodos de ensino especializados, obteremos o resultado que se apresenta; o fenômeno da especialização precoce e o consequente desperdício do talento esportivo.

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